sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Amor á vida

Outro dia, estava assistindo a um programa sobre esportes radicais: um bando de gente pulando das alturas, desafiando penhascos, enfrentando corredeiras sinistras - sem tempo pra sentir medo.

"Esse pessoal não tem amor à vida", balbuciei entre os dentes. Aí rebobinei meu pensamento e mudei de avaliação. "Esse pessoal ama a própria vida mais do que tudo - eu é que estou desperdiçando a minha na frente da tevê."

Vida. A única coisa que a gente realmente tem - viemos do nada e para o nada voltaremos. Sempre que me dou conta disso, fico bobo com a quantidade de tempo que desperdiçamos fazendo coisas das quais não gostamos, dizendo amém para o que não concordamos e aceitando regras preestabelecidas em nome da ordem social. No fundo, malucos somos nós, os que não arriscam, os que vivem entre quatro paredes, os que mantêm pouco contato com a natureza, os que se protegem contra emoções vertiginosas.

Quem escala uma montanha está mais seguro do que eu dentro de um carro estacionado, sozinho, aguardando a chegada de meus filhos. Mais seguro do que eu quando saio do supermercado com as compras ou quando caminho pelas ruas da cidade: a violência não está nos ares, está no térreo; não está no esporte, está no cotidiano. Adrenalina pura é ter um revólver apontado pra cabeça ou ser ameaçado de agressão. Perigoso é aqui.

Penso noite e dia em como posso dar mais valor à minha vida. Com todos os objetivos alcançados, o que não é pouca coisa, o que faço a partir de agora para manter minha paz de espírito em segurança? Penso em recomeçar do zero, em trocar de cidade, em desacelerar, esquecer de tudo o que acreditei até aqui, mudar de religião, inventar uma outra vida, uma vida mais plausível, menos caótica, menos necessitada de supérfluos, menos refém do tempo. Nunca fui de muitos medos, e de repente me desconsola ler o jornal, encarar as más notícias, enfrentar um mundo em que a gente já não pensa "isso nunca vai acontecer comigo" porque sabe que vai acontecer, somos os próximos da fila.

Eu vejo pessoas saltando de bungee jump, atravessando a nado canais enormes só pelo prazer de quebrar um recorde, todos dublês deles mesmos, e penso que isso, sim, jamais vai acontecer comigo, e não vai mesmo, porque não tenho disposição nem preparo físico. Mas hoje ao menos compreendo-os e sinto uma certa inveja deste medo escolhido, deste medo provocado: ama a própria vida quem aprende a vencê-lo. 

(Martha Medeiros)

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